O que estudantes de Engenharia de Software aprendem e que todos deveriam saber?

Por Lesandro Ponciano ORCID iD, em 7 de dezembro de 2025.

Muitas pessoas esperam que quem estuda tecnologia, por acompanhar seu desenvolvimento, saiba lidar com situações do dia a dia que envolvem tecnologia, como fake news, vício em redes sociais e excesso de notificações. Quase todos já enfrentaram alguma dessas situações. Quem nunca se sentiu sobrecarregado de notificações? Talvez aqueles que estudam sobre isso possam oferecer algumas dicas. É nesse contexto que surgiu o projeto do vídeo-documentário Aos Olhos de um Estudante de Engenharia de Software. A ideia é abordar a seguinte questão: O que estudantes de Engenharia de Software aprendem e que todos deveriam saber?

Imagem em baixa fidelidade (preto e branco, em formato de desenho manual) de pessoas sentadas em uma estação, olhando para a tela do smartphone enquanto aguardam o metrô.
Cena do dia a dia de pessoas que olham fixamente para a tela do smartphone enquanto aguardam a chegada do metrô.

Esse contexto ganha ainda mais relevância porque a tecnologia se tornou quase imprescindível para as pessoas. São incontáveis as utilidades, facilidades e conveniências em seu uso. No entanto, há também vários desafios. O uso da tecnologia expõe as pessoas a situações que não são naturais ou típicas para elas, o que leva a problemas como vírus em dispositivos, vício em redes sociais, uso irresponsável de inteligência artificial generativa e disseminação de notícias falsas (fake news). Sair dessas situações muitas vezes envolve uma compreensão avançada de como ela funciona ou da melhor forma de utilizá-la. Esse tipo de conhecimento não pode ficar restrito aos especialistas da área. Isso tem consequências diretas na vida cotidiana.

Mas por que levar essas questões a estudantes universitários? É importante promover um intercâmbio entre o conhecimento que circula nas universidades e os problemas que as pessoas enfrentam diariamente. Muitas pessoas no Brasil não têm acesso a um curso superior. Segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 18,4% da população brasileira com 25 anos ou mais possui ensino superior completo. Quem não se engaja em um curso universitário não desvaloriza o conhecimento oferecido por esse nível de formação. Há, socialmente, uma percepção de que o estudante universitário possui conhecimento avançado que todos deveriam ter. Isso se reflete em expressões populares como “consulte os universitários” ou “pergunte aos universitários”, difundidas pelo popular programa de TV de perguntas e respostas chamado Show do Milhão. Esse reconhecimento do saber universitário pode ser melhor aproveitado em situações reais e de valor social.

Nesse ponto, surge uma pergunta importante: quais situações-problema do dia a dia são relevantes socialmente e importantes tecnicamente para serem abordadas pelos estudantes no documentário? Vale destacar que o projeto do vídeo-documentário nasceu no contexto de uma atividade de extensão universitária. Apresentei aos meus estudantes de Interação Humano-Computador um conjunto de situações do dia a dia envolvendo tecnologia e que costumam gerar dificuldades para as pessoas. Propus a eles realizar um estudo técnico-científico de cada situação e personificar o modo tecnicamente adequado de lidar com cada uma delas, como se fosse a maneira pela qual tratariam o problema levando em conta o conhecimento técnico que possuem. O resultado final seria descrito em um vídeo de entre 4 e 5 minutos. Esses vídeos seriam agregados em um vídeo-documentário. As situações do dia a dia que propus são:

Temos experiência nessas situações-problema no cotidiano social, porque ao longo dos últimos sete anos elas foram objeto de discussão nos Debates Estruturados de Interação Humano-Computador. Foram realizadas algumas dezenas desses debates. Algumas das situações mais interessantes e relevantes que geralmente aparecem nesses encontros foram incluídas como situações-problema na lista acima. São assuntos de relevância social e sobre os quais já existe uma literatura científica relativamente sólida.

Os estudantes escolheram atuar em três atividades: produção, projeto ou avaliação. Na atividade de Produção de Artefatos Digitais, os estudantes realizaram a pesquisa, montaram o roteiro e gravaram um vídeo sobre uma das situações corriqueiras listadas acima. Na atividade de Projeto de Artefatos Digitais, apenas uma equipe de estudantes assumiu a responsabilidade: eles projetaram a estética e a harmonia do vídeo-documentário, incluindo as edições visuais e sonoras. Essa equipe reuniu os vídeos produzidos pela equipe de Produção de Artefatos Digitais e os organizou dentro de uma história coerente. Por fim, na atividade de Avaliação de Artefatos Digitais, a equipe realizou a avaliação do vídeo-documentário por inspeção, utilizando uma adaptação da Avaliação Heurística, além de uma avaliação por investigação baseada em uma adaptação do método System Usability Scale (SUS).

O resultado final do projeto está materializado no vídeo-documentário Problemas do Dia a Dia pelos Olhos de Estudantes de Engenharia de Software (YouTube), publicado em 26 de novembro de 2025. O vídeo-documentário está disponível no YouTube, no canal do Instituto de Ciências Exatas e Informática (ICEI), e pode ser acessado pelo link acima. Embora o vídeo-documentário seja apenas um vídeo, dentro dele há vários registros feitos por diferentes estudantes sobre diversas situações-problema, todos dentro do mesmo contexto. Dessa forma, ele reproduz, em uma microescala, a ideia de uma trend. As trends são muito comuns atualmente nas redes sociais.

O vídeo-documentário se resume a um conjunto de situações e à forma mais recente de lidar com cada uma delas. A lista de situações não é exaustiva, mas é suficiente para ilustrar casos relevantes e mostrar que o conhecimento permite enfrentar situações-problema de modo mais informado. Assim, ele é uma coleção de reflexões para provocar outras reflexões. Há o reconhecimento de que a tecnologia é dinâmica: ela está sempre mudando. Os problemas associados a ela também se transformam. Por isso, é importante manter-se atualizado para tomar as melhores decisões. Fica o sentimento de que talvez seja hora de convidar todos a parar de apenas consumir tecnologia e começar a compreendê-la de verdade.

Como instrumento de ensino e aprendizagem, essa prática insere-se na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, que é um princípio fundamental da universidade brasileira, previsto no Art. 207 da Constituição Federal de 1988. Ele insere os estudantes no contexto do dia a dia das pessoas. O estudante busca sintetizar o conhecimento técnico adquirido para explicar soluções de forma compreensível às pessoas. Essa aproximação é feita por meio da ludificação da forma como eles próprios lidam com cada situação, ou seja, a personificação da situação. O brilho dos vídeos vem justamente do olhar humano de quem vive esses problemas. Os estudantes não apenas pesquisaram, mas se envolveram genuinamente com a tarefa.

Este trabalho proporcionou aprendizados importantes. Primeiro, é notável o engajamento dos estudantes quando são confrontados com um problema real, para o qual devem elaborar uma solução que será levada à sociedade. Segundo, é relevante produzir conteúdo com embasamento técnico e disponibilizá-lo à sociedade por meio da internet, espaço muitas vezes repleto de superficialidades e inverdades. A maior dificuldade para atingir esse objetivo está em preservar a tecnicidade, para que o trabalho não se torne apenas uma peça opinativa e, ao mesmo tempo, promover a acessibilidade, de modo que todos possam se beneficiar do conteúdo. Superar essa dificuldade em atividades como esta é essencial para que o conhecimento técnico cumpra seu papel social. Cada esforço como esse é um aprendizado rumo a essa superação.

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