O Risco de Propagação do Modelo Elon Musk
Lesandro Ponciano
9 de janeiro de 2025
Quando o bilionário Elon Musk comprou a plataforma Twitter em 2022, estava claro que um ambiente de turbulência se instalaria. Foi uma transação cheia de “vai e vem”. Após a aquisição, os funcionários da empresa foram tratados de forma ríspida, o que indicou uma visão corporativa agressiva, alheia à tradicional cultura de empresas de tecnologia. Usuários da plataforma passaram a ser tratados como oportunistas em uma plataforma deficitária. Incluiu-se assinatura paga, além da alta exposição de anúncios: agora “você paga” e “você é o produto” também. O cachorro do bilionário foi apontado como CEO. A foto do cachorro foi a logo da plataforma por várias semanas, em uma ação de marketing de criptomoeda. Contas de usuários pertencentes a membros da extrema direita mundial foram reativadas. Tudo isso pode ser chamado de o “Modelo Elon Musk” de gestão e relações interpessoais.
Essas ações poderiam ser vistas como de efeito localizado e serem consideradas de menor impacto, dado que se trata de uma plataforma pouco usada, comparada ao Instagram e TikTok. O problema surge quando as ações adotadas por essa rede passam a ser consideradas de sucesso e o “Modelo Elon Musk” passa a ser propagado como exemplo para outras empresas. Isso parecia estar ocorrendo quando se observaram as demissões em massa (lay-offs) das empresas de tecnologia ao longo de 2023. Mas o exemplo mais claro dessa propagação do Modelo Elon Musk foi o anúncio por Mark Zuckerberg de que a Meta descontinuará a abordagem de checagem de informações falsas nas plataformas da empresa (Facebook, Instagram e WhatsApp), passando a usar um sistema semelhante ao implantado por Elon Musk na plataforma X.
Isso é o que está na superfície. Tudo indica que a propagação do Modelo Elon Musk é muito mais ampla e profunda do que aparece no noticiário. A cultura das empresas de tecnologia está mudando profundamente. Os "nerds visionários" estão perdendo espaço, enquanto os empresários e estrategistas estão entrando em cena. Tais empresas sabem o poder que seus sistemas têm. Elas sabem o quanto muitos usuários se tornaram dependentes delas. Elas têm maior conhecimento sobre a população mundial do que muitos governos. O poder de influência dessas empresas sobre as populações vai muito além do que se pode especular. Com tanto poder em mãos, tais empresas estão pressionando para saber até onde conseguem ditar a forma de funcionamento da sociedade, controlar as opiniões das pessoas e se colocar como um poder supranacional.
Por que as ações de Elon Musk servem de inspiração para outras empresas de tecnologia? É simples: ele confrontou uma realidade e não sofreu reação à altura. Os funcionários da empresa foram tratados de modo desrespeitoso e ficou tudo bem. Ainda há na empresa muita gente disposta a abraçar o modelo. Ele tratou a plataforma como brinquedo e milhões de usuários acharam normal. As pessoas continuaram na plataforma como se nada tivesse acontecido. A mensagem é: donos de plataformas de redes sociais podem fazer o que quiserem. Cabe a ressalva que, no Brasil, houve uma resistência e a suspensão da plataforma no território nacional por desobediência judicial. Essa é a única barreira que os donos de redes sociais ainda encontram. Tal barreira foi, inclusive, criticada por Zuckerberg.
Por que as pessoas não reagiram mudando de plataforma? Afinal de contas, esse poder é dado por elas. Algumas pessoas migraram de plataforma. Mas há pelo menos dois fatores muito fortes contrários à migração. O primeiro fator é que não há plataformas alternativas capazes de prover benefícios equivalentes. Pode-se falar das plataformas Mastodon e Bluesky, mas elas ainda são incipientes e muito desafiadoras em termos de modelo de uso e de constituição de uma rede social. O segundo fator é a dependência. Ao longo de mais de uma década, muitas pessoas, empresas e governos acoplaram excessivamente sua atividade profissional, de comunicação ou modelo de negócio a plataformas como X. Para elas, ainda vale mais a pena insistir nessa plataforma do que recomeçar e reconstruir sua rede social em outra plataforma. Muitas vezes, o custo do recomeço é grande. Musk e os donos de outras redes sabem e se aproveitam disso.
Até onde chegará a propagação do Modelo Elon Musk? Muito difícil dizer. É mais provável que ele ainda esteja se propagando e dificilmente encontrará barreiras. Musk se fortaleceu muito politicamente nas últimas eleições do seu país. É difícil construir uma alternativa a um modelo que alcançou poder político e econômico tão grandes, pois é considerado um sucesso. E não se trata apenas do modelo implantado na plataforma X, mas em todo o seu poderoso conglomerado de empresas. Também é esperado que a atuação política dele em seu país se torne uma “inspiração” para bilionários em outros países. É mais razoável pensar que uma alternativa pode nascer da decepção ou desilusão. Se assim for, o Modelo Elon Musk ainda se propagará muito até suas falhas começarem a aparecer e uma alternativa surgir como solução.
Caso você tenha gostado desse texto, talvez também se interesse por:
- Por que redes sociais como Mastodon ainda não são amplamente usadas no Brasil?
- Atualmente ser usuário do Twitter e ter o bem comum como um valor é viver uma grande contradição
- Aaron Swartz e o uso da tecnologia para melhorar o mundo e não para torná-lo um lugar pior
...
Você pode encontrar informações sobre mim no meu site. Quando escrevo algo, ele aparece neste XML RSS feed, que pode ser cadastrado em leitores de XML RSS feed como a extensão para Chrome RSS Feed Reader ou Feedly.