Memórias digitais e presente conectado: a Internet está chata?

Por Lesandro Ponciano ORCID iD, em 29 de novembro de 2025.

A Internet é uma rede de computadores. Também a concebemos informalmente e popularmente como algo mais amplo, abrangendo os sistemas que operam nessa rede, incluindo sites Web hospedados em servidores, softwares de comunicação instalados nos computadores e aplicativos para smartphones. É esse conceito ampliado de Internet que tratamos quando nos perguntamos: A Internet está ficando chata? Além da tecnologia, essa questão pode se referir também ao comportamento das pessoas ao utilizá-la. Desde sua expansão, no fim da década de 1980, muitos sistemas baseados na Internet foram criados e posteriormente descontinuados. O comportamento das pessoas nesses sistemas também não se manteve estático. Para que isso está convergindo? Para uma Internet que, aos poucos, se torna melhor ou para uma em que coisas boas estão sendo perdidas?

Imagem em baixa fidelidade (preto e branco, em formato de desenho manual) com reprodução da tela de login do sistema Orkut tal como no ano de 2010.
Reprodução em baixa fidelidade da tela de login da página Web da rede social Orkut, tal como no ano de 2010

Qualquer pessoa que tenha feito uso contínuo da Internet por pelo menos 20 anos certamente viu algum sistema, ao qual estava acostumada, ser descontinuado. Há inúmeros exemplos, como MSN e Orkut, que é destacado na imagem acima. Existem diversas formas de analisar o que levou sistemas como esses a serem criados e, posteriormente, descontinuados. Não se trata apenas de uma questão tecnológica ou de experiência do usuário: entram também em jogo fatores de concorrência e de viabilidade financeira. Do ponto de vista de quem utilizava o sistema, pode restar tanto a saudade da experiência que teve com o sistema quanto a percepção de que ele já não atendia mais às necessidades.

Tenho lembranças marcantes de vários sistemas da Internet. Para citar dois, guardo boas lembranças do MSN e do Orkut. Durante minha graduação, estágio e primeiro trabalho em Tecnologia da Informação, o MSN era a principal ferramenta de comunicação. Todos ao meu redor utilizavam, e era marcante observar as pessoas online, ocupadas, e acompanhar as mensagens de status. No Orkut eu raramente postava. O que me atraía era acompanhar os perfis dos amigos e explorar as comunidades. Nunca entendi por que o Orkut acabou. Seu fim foi lamentável, pois no Brasil havia a percepção de que o Orkut era usado por um público mais popular, enquanto as pessoas consideradas sofisticadas migravam para o Facebook, apelidado de Face. Eu nunca consegui me adaptar ao Facebook. Nunca achei que oferecesse mais do que o Orkut em termos de funcionalidade e experiência. Ao mesmo tempo, sentia falta da lógica das comunidades, que tornava o Orkut tão marcante.

Como pesquisador e profissional na área de Ciência da Computação, eu desejava, desde 2019, levar a análise da evolução dos sistemas na Internet para discussão com meus estudantes da disciplina Interação Humano-Computador. Eu desejava provocar o debate sobre em que está resultando esse processo de seleção natural em que alguns sistemas permanecem enquanto outros são descontinuados. Em uma perspectiva extensionista, poderíamos levantar e documentar exemplos proeminentes de sistemas que foram descontinuados, o que as pessoas pensavam deles e quais alternativas surgiram. Dessa forma, tentaríamos chegar a alguma compreensão ou relato sobre se, nessa perspectiva, a Internet está ficando chata. Este semestre, esse trabalho foi realizado. O trabalho envolveu várias etapas, desde a escolha dos sistemas até a edição do documentário. O resultado final é uma análise que contempla os seguintes sete sistemas:

O documentário foi publicado nessa sexta-feira, 28 de novembro de 2025. Ele está disponível no YouTube e pode ser acessado pelo link abaixo.

Os sistemas abordados no documentário foram sugeridos e votados em aula. Vine e Formspring eu não conhecia. Não cheguei a usar, mas para meus alunos esses sistemas foram importantes o suficiente para que priorizassem sua inclusão. Eu até gostaria que outros tivessem entrado na análise, como o saudoso Twitcam. Para elaborar o roteiro do documentário, os estudantes conversaram com pessoas que utilizaram esses sistemas, coletaram impressões e analisaram relatos disponíveis na Internet. O resultado é um conjunto de análises bastante valioso, que acredito representar a percepção de muitas pessoas em relação a esses sistemas.

O documentário não se propôs a oferecer uma resposta definitiva sobre se a Internet está chata. Seu objetivo foi estimular o debate acerca da dinâmica dos sistemas online e trazer elementos para reflexão. Entre os pontos levantados, é relevante considerar que a Internet perdeu grande parte de sua espontaneidade. Ela deixou de ser um espaço de encontros entre amigos (como no Skype), de diversões despretensiosas (como no Orkut) e de um anonimato usado de forma inocente (como no Yahoo Respostas). Passou a ser, em muitos casos, um ambiente voltado para a busca de influência (como no Facebook), para alcançar milhões de pessoas (como no TikTok), para a criação de imagens fictícias (como no Instagram) e para o uso malicioso do anonimato (como no Discord).

Naturalmente, há várias outras dimensões que precisam ser consideradas, como o advento das big techs e do feudalismo digital. As big techs introduzem a concentração em grandes sistemas usados por milhões de pessoas, em vez da existência de diversos sistemas de menor adoção. O feudalismo digital leva à transição do modelo de sistemas construídos e mantidos de forma independente para um modelo no qual os sistemas são desenvolvidos dentro das plataformas das corporações. Isso aconteceu, por exemplo, com o advento de plataformas como o Facebook. Muitas empresas construíam e mantinham seus sítios Web, mas tornou-se mais conveniente manter apenas uma página no Facebook. Algo semelhante aconteceu com os servidores de e-mail.

O surgimento da inteligência artificial (IA) generativa acrescenta uma nova variável fundamental a esse cenário. Agora, diversos conteúdos produzidos por IA passam a ocupar espaço, o que pode tornar a experiência online não apenas superficial, mas também artificial, mais mecanizada e menos humana. É razoável pensar que isso pode intensificar a sensação de nostalgia e reforçar a percepção de que a Internet está ficando chata. Nos sistemas de atendimento de várias empresas, é muito difícil conversar com uma pessoa. A automatização desse tipo de atendimento pode tornar a interação menos humanizada e passar a ideia de que não se conversa mais com pessoas.

Depois dessas análises e das discussões apresentadas no vídeo, percebo que há experiências que não voltam mais. Elas estão fortemente ligadas aos antigos sistemas colaborativos. Esses sistemas, em ascensão na primeira década deste século, traziam consigo uma filosofia na qual acredito profundamente: criar ferramentas capazes de reunir pessoas e permitir que realizassem juntas aquilo que não conseguiriam fazer sozinhas. Naquela época, utilizei diversos recursos desse tipo para estudar inglês, armazenar links de conteúdos interessantes, organizar anotações de artigos, compartilhar e comentar fotos, além de participar de perguntas e respostas. Tudo isso refletia o espírito de plataformas como Wikipedia, BitTorrent, Yahoo Respostas e CiteULike. Hoje, essa filosofia já não parece ser o eixo central dos sistemas que surgem. Dinheiro e fama tornaram-se os principais objetivos de muitos usuários e desenvolvedores. Por isso, o que aparece atualmente transmite uma sensação de certo desencanto.

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