O nacionalismo brasileiro é daqueles que ama, defende, questiona e confronta o Brasil

Lesandro Ponciano

04 de agosto de 2025

Tem sido curioso observar como nossas bolhas informacionais nos fazem acreditar que algo é popular, quando na verdade pode ser popular apenas entre aqueles com os quais nos relacionamos... É como se o geral, ou o comum, não existisse mais. Nas útimas semanas, o que tenho observado em minhas bolhas informacionais é um apelo à soberania. Sim, meu caro leitor, o brasileiro está recorrendo à soberania e ao patriotismo — e note, este não é ano de Copa do Mundo de Futebol, e o Carnaval já passou há vários meses. Está assim na sua bolha também?

Seja por motivações políticas e econômicas, internas e externas, o espírito nacionalista e o desejo de soberania estão mais latentes no país. Esse fenômeno raro merece observação. Os brasileiros reais, aqueles populares que trabalham tanto que não lhes sobra tempo para divagações intelectuais, têm uma relação de amor e descaso com o Brasil. E vivem repetindo as máximas que tanto ouviram: “isso só no Brasil mesmo” ou “por isso que o Brasil não vai para frente”.

Também é verdade, meu caro leitor, que há alguns brasileiros que são sinônimos de nacionalismo. Esse é o caso de Ariano Suassuna (1927–2014). Pesquise as aulas-espetáculo que ele proferia. Lá você encontrará várias histórias que ele contava — por exemplo, sobre por que não foi estudar na França, o que ele achava de grupos de dança no Brasil chamados “street dance”, sobre pessoas que dividem a humanidade entre os que foram e os que não foram à Disney, etc. Suassuna claramente não amava apenas o que o Brasil é, mas também o que ele tem potencial para ser. E veja: só estou citando as aulas, nem sequer entrei nos textos, romances e poemas.

Por falar em poema, há um que é o retrato do nacionalismo brasileiro. Deixe-me primeiro contar como o conheci. Eu estava na oitava série do ensino fundamental. Uma professora de matemática, muito próxima, sabia que eu gostava de poesia. Haveria um recital de poesias interescolar, e ela pediu que eu recitasse um poema que ela gostava muito. O poema era Brasil Atrapalhado, do professor e poeta Djalma Andrade (1894–1977). Reproduzo abaixo o texto.


Brasil Atrapalhado

A gente fala, protesta:
– Nesta terra nada presta.
O povo é lerdo, indolente…
É a farra, ninguém trabalha,
A peste, a pátria amortalha
Sob o sol rude, inclemente…

A lei é mito, pilhéria…
Ninguém liga a coisa séria,
Não há remédio, é da raça…
A vida se desbarata:
O pinho, a cuíca, a mulata,
O amarelão, a cachaça…

A gente murmura, fala.
Velhos defeitos, propala
Em linguagem rude e vil:
É a terra pior do mundo!
Mas no fundo, bem no fundo,
Quanto amor pelo Brasil!

Tudo da boca pra fora!
Porque, cá dentro, ele mora
Cá dentro é que a gente o sente…
Meu Brasil atrapalhado,
Meu Brasil confuso e errado,
Você vê que o povo mente.

Você vê que a gente grita,
Mas vê também que é infinita
Esta paixão por você…
Se a Bandeira levanta,
Lá vem o nó na garganta,
E você sabe por quê…

Você sabe e não se importa
A nossa injúria suporta
E o nosso labéu também…
Deixe que xingue, que bata,
A gente fere e maltrata,
Quase sempre, a quem quer bem.

Meu Brasil, aqui baixinho,
Ouça, sou todo carinho,
E a minha alma você vê…
Qualquer perigo que corra,
Se for preciso que eu morra,
Eu morrerei por você.

Esse poema é muito bonito. Ele é o retrato mais fiel que conheço do nacionalismo brasileiro — daquele que ama o país, mas, ao mesmo tempo, o confronta, o xinga e "velhos defeitos, propala". O retrato do brasileiro é o daquele que diz: “É a terra pior do mundo! ". Mas isso é o que se fala, por que o sentimento é que "no fundo, bem no fundo, / Quanto amor pelo Brasil!” Como bem coloca o poeta: “A gente fere e maltrata, / Quase sempre, a quem quer bem.” Quando se ama e se quer bem, também se levanta em defesa — como quem diz: “Se for preciso que eu morra, / Eu morrerei por você.” A verdade é que todo brasileiro que sente o calor desta terra ("Sob o sol rude, inclemente…") e a força desse povo tem um amor inegável pelo país ("é infinita / Esta paixão por você…").

Eu decorei esse poema para o recital e nunca mais esqueci. Foi um dos momentos mais marcantes do meu ensino fundamental. Eu nem conhecia o trabalho de Djalma Andrade. Apesar de ainda conhecer pouco sobre sua obra, dá uma alegria muito grande saber que, além de brasileiro, ele também era mineiro e professor. A coerência é admirável.

Neste momento, meu caro leitor, em que muitos discutem o nacionalismo e o patriotismo, é oportuno lembrarmos de Ariano Suassuna e Djalma Andrade. Que eles estejam presentes em todas as bolhas de informação que formam essa nossa tão segmentada sociedade. Mas e você, meu caro leitor, vive esse conflito de amor e questionamento? Em quais situações o nacionalismo te toca mais fundo?

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