Participação na Masterclass sobre Ciência Cidadã organizada pela CEPAL/ONU e LIBER

Lesandro Ponciano ORCID iD

22 de novembro de 2024

As ciências participativas são movimentos e práticas transformadoras da ciência por preconizar a participação popular na produção do conhecimento científico. Desde 2012, tenho me envolvido e acompanhado iniciativas em uma das correntes de ciências participativas chamada de ciência cidadã. Grande parte do meu trabalho de doutoramento, defendido em 2015, foi sobre como sistemas computacionais podem dar suporte à colaboração entre cientistas e participantes durante a condução de etapas de uma pesquisa científica. Assim como em quase todas as atividades humanas, atualmente, os sistemas computacionais também desempenham um papel importante na prática de ciência cidadã. No lançamento da Plataforma Cívis, em 2022, eu apresentei um pouco da história desse emprego de sistemas computacionais. Contextualizei sistemas, projetos e iniciativas como SETI@Home, eBird, Stardust@home, GalaxZoo, FoldIt, Zooniverse, CitSci, PyBossa, Socientize e SciStarter.

Nas últimas duas semanas, revisitei e busquei me atualizar sobre o que tem ocorrido nessa área. Estava preparando a palestra intitulada "Construindo Capacidade: Dados, Informações e Conhecimentos na Construção e Partilha do Saber". Essa palestra foi parte de um conjunto de master class sobre Ciência Cidadã organizadas pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) das Organizações das Nações Unidas (ONU) e Association of European Research Libraries (LIBER). O foco da palestra foi discutir como o conhecimento é construído pelos participantes juntos com os cientistas. Para isso, foram abordados tópicos como coleta, leitura, interpretação, avaliação, visualização e gerenciamento dos dados e aprendizagem de máquina a partir de dados. Busquei destacar o que considero um dos maiores desafios nos projetos de ciência cidadã, que é lidar com a incerteza contida nos dados e ser capaz de reportar essa incerteza cientificamente e didaticamente para que satisfaça as demandas de ambos, outros cientístas e também os cidadãos.

Creio que a palestra é informativa para quem deseja compreender melhor a ciência cidadã em termos da gestão de dados. Uma descrição da apresentação está disponível. De forma geral, contextualiza-se da ciência cidadã como uma ciência participativa, analisa-se o processo da investigação-educação-ação que permite transformar dados em sabedoria e destacam-se os sistemas digitais na prática de ciência cidadã. Após isso, o desafio da gerência da incerteza é apresentado ao se discutir a necessidade de redundância de dados e emprego de estratégias de concordância entre avaliadores. Por fim, discute-se o emprego de visualização de dados por cientistas e participantes e o emprego de aprendizagem de máquina e inteligência artificial.

Para além da apresentação realizada, foi um aprendizado observar a comunidade de participantes. É interessante ver como novos atores estão atuando em ciência cidadã atualmente, comparado a cenário que conheci em 2012. O interesse da CEPAL/ONU e LIBER em promover discussões acerca desse tópico é exemplo do aumento de interesse na área. Ao longo dos últimos anos, houve uma grande difusão do movimento e prática em prol das ciências participativas. Pode-se observar uma quantidade relevante de novos pesquisadores, de diversas regiões do planeta, que estão se juntando ao movimento de ciência cidadã. Os resultados disso são certamente muito positivos para toda a sociedade.

Infelizmente, como em quase tudo que se torna globalizado, perde-se um pouco da sensibilidade aos contextos, tradições e peculiaridades. Em fóruns de ciência cidadã, há uma certa pressão por (ou tendência à) uniformização. Notei isso não apenas na sessão do evento que participei, mas também no que consegui explorar do que foi discutido nas outras sessões e outros fóruns. Meu pensamento é que não existe uma forma de ciência cidadã a ser ensinada por uns aos outros, o que existe é várias formas de praticar ciência cidadã e que podem ser compartilhadas uns com os outros. Não faz sentido um europeu ensinar a um sul-americano como praticar ciência cidadã em sua comunidade, e o inverso também não se aplica. Cada realidade leva a emergência de uma abordagem que a ela se adequa. Outra coisa que me incomoda um pouco é algo típico do envelhecimento de um movimento. No início, todos são iguais no esforço exigido pela nova iniciativa. Todas as práticas são igualmente consideradas. Depois de algum tempo, alguns grupos acham que se destacaram mais e começam "ditar" sua visão e resultados como paradigma aos outros. Com isso, aquilo que antes era um esforço comum, horizontal e distribuído, torna-se algo elitizado, verticalizado e centralizado. É possível ver um pouco disso quando se compara os movimentos de ciência cidadã de 2024 com os 2012.

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