O que dizer de Rodion Românovitch Raskólnikov?
Lesandro Ponciano
12 de setembro de 2023
Personagens marcantes são essenciais em bons livros. Há vários exemplos disso. Eduardo Marciano (de Encontro Marcado, Fernando Sabino), Holden Caulfield (de The Catcher in the Rye, J. D. Salinger), Bertoleza (de O Cortiço, Aluísio de Azevedo), e Al Mustafá (de The Prophet, Kahlil Gibran) são apenas alguns exemplos de personagens cujas identidades dão estrutura aos livros.
Ao longo dos últimos meses, li “Crime e Castigo” de Fiódor Dostoiévski. É um clássico que eu ainda não havia me interessado em ler. Ele me apresentou mais um personagem marcante. Talvez o mais marcante de todos que eu conheço. Trata-se de Rodion Românovitch Raskólnikov. Um jovem, estudante, pobre, inteligente e que invadiu uma casa para assassinar uma idosa e roubá-la. Nessa empreitada, não roubou quase nada de valor, mas assassinou a idosa e sua irmã.
Raskólnikov oscila entre momentos em que surpreende pela inteligência e momentos em que lhe falta sanidade. Mesmo tendo cometido o assassinato de duas pessoas, ele desperta empatia no leitor. Em muitos momentos, ele demonstra gentileza e caridade. Não me surpreende se algum leitor, no decorrer da narrativa, minimizar o gravíssimo crime que ele cometeu. É possível que esse leitor veja uma explicação na pobreza e pressão social a que Raskólnikov estava submetido. Talvez esse leitor chegue ao ponto de desejar um perdão, para que Raskólnikov seja, enfim, feliz. Na penúltima linha do livro, o narrador dá a entender que isso ocorreu. A empatia que Raskólnikov desperta pode adoecer quem se arrisca a tentar se colocar no lugar dele.
Não notei na narrativa um esforço para demonstrar que ele verdadeiramente se sentia arrependido. No entanto, há claro esforço para tentar justificar o assassinato. A frágil teoria da existência de homens ordinários, normais, e homens extraordinários, que tudo podem, é um desses esforços. As comparações com Napoleão e o emprego do conceito de mortes “necessárias” são outros desses esforços. Parece até que ele se arrepende mais de ter confessado o crime do que de ter o cometido. Mas, é razoável imaginar que a estranha doença que lhe acomete seja em parte a manifestação mais forte do julgamento feito por sua consciência. Talvez ela tenha imposto a ele um castigo maior do que os poucos anos que ele passou na prisão.
Um dos fatores mais emblemáticos desse personagem é a dificuldade de rotulá-lo. É arriscado analisá-lo sem considerar toda diversidade de demonstrações que ele dá. O gravíssimo crime que ele cometeu certamente não o define completamente. Ele é diverso em sua relação com amigos, família e conhecidos. Ele é psicologicamente complexo e instável. Essa complexidade e instabilidade o aproxima de como os seres humanos (reais, fora de personas e caricaturas definidas na literatura) realmente são. Ele não é construído para ser artificial ou sobrenatural. Talvez seja essa proximidade que torna a empatia com ele tão inevitável quanto desconfortável.
No livro, há outro personagem marcante. Trata-se da amada de Raskólnikov, Sônia. Sônia se parece muito com Marta (de Seara Vermelha, Jorge Amado). Na vida, ela se perdeu. Se bem que "se perdeu" talvez não seja a melhor forma de descrever a jornada dela. As circunstâncias a levou a fazer coisas que ela não queria, mas apesar das condições de vida a que ela teve que se submeter pela necessidade, ela manteve sua dignidade e integridade. Raskólnikov notou isso. Sem ela, o desfecho de Raskólnikov teria sido ainda mais emblemático..
Pode-se ver que eu gostei muito do livro.
Estou com outro clássico de Fiódor Dostoiévski para ler: “Os irmãos Karamázov”. O título, que aparentemente já remete aos personagens, desperta a minha curiosidade.
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