A Experiência com Pesquisa Científica no Percurso do Estudante de Graduação
18 de Setembro de 2024
Este é um texto baseado na experiência pessoal . Eu sou pesquisador há quase 20 anos, comecei na minha graduação em Sistemas e Informação. Eu sou professor há quase 10 anos em cursos de Ciências Exatas e Tecnologia, comecei a lecionar após concluir o doutorado em 2015. Então, eu abordo essa temática considerando a experiência que tive como estudante e que, atualmente, tenho como professor.
Ao longo dos últimos anos, eu ouvi várias dúvidas dos estudantes nas minhas funções de professor de unidades curriculares relacionadas à pesquisa, orientador de projetos de pesquisa, coordenador de pesquisa, líder de grupo de pesquisa. E reuni aqui várias dessas dúvidas comuns. Uso o ponto de vista do estudante (pergunta/discussão) e ponto de vista do professor (resposta/dicas) ao falar da pesquisa científica no percurso do estudante de graduação.
Então, vamos lá.
O que é pesquisa científica e por que ela é importante para um estudante de graduação?
Pesquisa científica é o uso do método científico para a descoberta de conhecimentos. Alguns elementos diferenciam o método científico de outras abordagens de descoberta de conhecimento. O conhecimento obtido pelo método científico é sujeito à reprodutibilidade e falseabilidade.
Mas o que isso significa? Significa que se o cientista apresentar uma nova descoberta, outras pessoas que dispõem dos instrumentos e conhecimentos podem reproduzir o estudo por elas próprias e verificar o resultado. Resultados científicos podem ser checados e negados ou provados falsos se estiverem incorretos. Então, a pesquisa científica não produz "opiniões", mas sim constatações que podem ser verificadas por outras pessoas. Isso é essencial para que possamos ter conhecimentos sólidos sobre a natureza, a sociedade, os corpos celestes e os sistemas computacionais, entre outros.
Olha que legal: Você sabe de onde vem o conhecimento que estão nos livros que os professores usam para ensinar conteúdos como Sistemas Operacionais, Sistemas Distribuídos, Interação Humano-Computador? Então, isso um dia foi a pesquisa científica de alguém. Essa pessoa fez a pesquisa, comunicou os resultados por meio de um artigo, depois alguém leu o artigo e colocou a informação no livro que o seu professor usa. É assim que o corpo de conhecimento vai se formando e vai se disseminando.
Quais aspectos eu devo considerar se desejo me engajar em pesquisa científica durante a graduação?
É importante que você pense e diferencie duas coisas: 1) conhecimento existente e 2) produção de conhecimento novo.
As unidades curriculares que você estuda lhe fornecem o conhecimento existente na sua área. Você precisa dominar esse conhecimento. Então, tenha boas notas nas unidades curriculares. Se você estudou e já sabe o que existe, você pode buscar a produção de novos conhecimentos. Para isso, converse com professores que atuam com pesquisa científica em conteúdo que você se interessa. Os professores podem te ajudar a identificar o que seria relevante de se pesquisar.
Note que um estudante de graduação não faz pesquisa sozinho. Você, enquanto estudante de graduação, precisa ser orientado por um professor. E a pesquisa é geralmente feita no contexto de um grupo de pesquisa. Isso nos leva à próxima pergunta.
Onde posso obter informações sobre pesquisadores, pesquisas e grupos de pesquisa?
Você pode pesquisar sobre os pesquisadores na Plataforma Lattes do CNPq. Lá você encontra os curriculum Lattes dos pesquisadores. O currículo Lattes descreve a vida pregressa do pesquisador, incluindo sua formação acadêmica, áreas em que tem atuado, produções científicas e tecnológicas, prêmios, entre outros. Você também pode e deve criar o seu currículo lattes e assim já começa a construir a sua história como um pesquisador.
Sobre grupos de pesquisa, há vários lugares com essas informações. Cada instituto, faculdade e universidade geralmente mantém uma lista pública com seus grupos de pesquisa. Caso você tenha interesse em uma lista mais ampla, do país inteiro, recomendo que consulte o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq.
Sempre que você tiver dúvidas sobre as áreas de atuação dos professores, converse com o seu professor ou com o coordenador de pesquisa do seu curso. Eles podem te ajudar a mapear os professores orientadores de pesquisa.
Quais serviços oferecidos na universidade viabilizam a atuação em pesquisa científica?
São vários os serviços disponíveis. Um eu já mencionei, que são os grupos de pesquisa.
Também podemos falar do acesso ao Portal de Periódicos da CAPES. A CAPES é a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, órgão do Governo Federal. Muitas universidades brasileiras têm acesso a esse portal. O Portal de Periódicos da CAPES é uma plataforma que nos dá acesso aos principais periódicos científicos do mundo sem que nós estudantes, professores, pesquisadores tenhamos que pagar para ler o artigo. Por lá, você tem acesso a artigos de editoras como Nature, Springer e IEEE, que editam alguns dos principais periódicos científicos do mundo.
Verifique se sua universidade mantém o Portal de Periódicos Eletrônicos, se realiza um Seminário de Iniciação Científica e se oferecem auxílios para participação em eventos e publicação de trabalhos científicos. Esses são itens que geralmente as boas universidades oferecem.
Entre os serviços e oportunidades oferecidos pelas universidades, há também o acesso a vários fomentos a projetos de pesquisa. Mas isso é um tópico à parte, o que nos leva à próxima pergunta que queremos responder.
Como é estruturado o fomento à pesquisa na universidade?
A pesquisa científica geralmente é organizada pela Pró-Reitoria de Pesquisa e de Pós-Graduação. O financiamento de pesquisas conta com fomento de agências públicas estaduais Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Há também agências de fomento em nível federal como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Grandes universidades também mantêm um fundo de incentivo à pesquisa para financiar estudos e pesquisas.
Há vários tipos de editais de fomento à pesquisa. Dois que são muito conhecidos e que têm ênfase na em cursos de graduação são o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI). Fique atento a oportunidades como essas.
Então, vamos agora a uma pergunta sobre algo mais "mão na massa".
Quais ferramentas eu preciso conhecer e dominar para realizar as tarefas típicas de um pesquisador?
Eu posso responder essa pergunta tratando brevemente de três pontos que são coisas que todos os pesquisadores fazem: 1) Consulta à literatura científica existente, 2) execução da pesquisa e 3) comunicação de resultados.
- Sobre a consulta à literatura científica existe eu já falei do Portal de Periódicos da CAPES. Outro elemento que vale a pena você conhecer são os critérios de seleção de periódicos e artigos científicos. Alguns critérios são Fator de Impacto, h-index, número de citações e o Qualis. Qualis é um sistema brasileiro mantido pela CAPES para avaliação da qualidade de periódicos científicos. Como você quer ler artigos de periódicos de qualidade, esses critérios mencionados são importantes.
- Sobre a execução da pesquisa, o conhecimento necessário e ferramentas utilizadas variam muito de uma pesquisa para outra. Isso inclui algoritmos, simuladores, hardwares e linguagens estatísticas. O fundamental é você dominar o conhecimento técnico. Então, se você é um bom estudante e está aprendendo bem o que os professores estão ensinando nas unidades curriculares, terá facilidade nessa parte de execução das pesquisas.
- Por fim, a comunicação dos resultados é basicamente a escrita de artigos científicos. É por meio da comunicação científica que um pesquisador informa a outros pesquisadores os resultados de suas pesquisas. O formato de comunicação mais comum é artigo científico. A principal importância de escrever artigos é fazer o conhecimento científico circular para que outros pesquisadores possam avaliar e complementar as descobertas. É assim que a ciência evolui. Há várias coisas que precisam ser aprendidas para escrita de artigos, em termos de forma e de conteúdo. Mas isso você aprende aos poucos. Há também ferramentas que você pode aprender, como LaTex que é um sistema de preparação de documentos. Ele é muito usado para escrita de artigos científicos, principalmente quando o artigo contém muitas equações e referências. Atualmente, há sistemas online para LaTex, como é o caso do Overleaf.
Então, vamos à penúltima pergunta.
A formação científica se completa no curso de graduação?
Não! A formação científica pode ser intensa na graduação, mas ela segue em outras etapas em que a característica dos trabalhos de pesquisa desenvolvidos muda, geralmente embarcando mais complexidades.
Na graduação, o estudante tem a oportunidade de desenvolver monografias que demandam uma certa parcela de aprofundamento, mas não requer alto grau de complexidade ou ineditismo. Esse é o caso do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Isso também ocorre na especialização, que é uma pós-graduação lato sensu.
No mestrado, que é uma pós-graduação stricto sensu, o estudante desenvolve a Dissertação. A dissertação de mestrado tem maior aprofundamento e complexidade. Espera-se um emprego mais rigoroso do método científico. Mas a novidade pode ser algo simples, como, por exemplo, olhar o problema sob uma perspectiva diferente.
Por fim, no doutorado, que também é uma pós-graduação stricto sensu, o estudante desenvolve a Tese. A tese de Doutorado é um estudo inédito que desenvolve um ponto de vista nunca antes adotado por outros pesquisadores. Nesse tipo de trabalho, prima-se pela originalidade e emprego rigoroso do método científico.
Após o doutorado, há também o chamado estágio pós-doutoral, pós-doutoramento, ou pós-doc. Não é um novo título, mas um período em que o pesquisador se dedica à pesquisa, geralmente fazendo uma interação com áreas e grupos de pesquisa diferentes do que ele atua, idealmente em outros países.
Então, há muitas oportunidades de continuar a formação científica após o término da graduação.
A última pergunta é sobre o espaço de atuação de um profissional com formação completa em pesquisa científica.
Quais oportunidades e portas a experiência em pesquisa científica pode me abrir após a formação científica?
A experiência em pesquisa científica faz de você um profissional diferenciado, que é capaz de resolver problemas muito complexos. Empresas que enfatizam a inovação e diferencial de mercado buscam por profissionais com essas características.
Universidades têm longa tradição em pesquisa de qualidade e são espaço de trabalho. Atualmente há várias outras oportunidades. Há fundações públicas como, por exemplo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Há empresas públicas como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Tem os institutos e laboratórios vinculados ao governo federal, como o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) e o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). Enfim, é muito longa a lista de empresas, institutos e laboratórios públicos e privados que são interessantes para quem deseja construir uma carreira como pesquisador.
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Ufa! Essas perguntas nos levaram a uma grande imersão em vários elementos importantes da prática de pesquisa científica.