Como os cidadãos se engajam com a presença das autoridades climáticas nas redes sociais?
12 de dezembro de 2023
Este texto é uma análise do seguinte artigo científico:
Ponciano, L. How citizens engage with the social media presence of climate authorities: the case of five Brazilian cities. npj Clim. Action 2, 44 (2023). https://doi.org/10.1038/s44168-023-00080-3
Qual é o contexto de mudanças climáticas tratado no estudo?
As autoridades climáticas em nível local são essenciais na governança climática. Elas são estabelecidas em cidades, como departamentos ou setores de prefeituras. Tais autoridades climáticas procuram reduzir a vulnerabilidade e construir a resiliência climática por meio de ações de adaptação e preparação para eventos climáticos. A comunicação cidadão-governo é essencial nessas ações. Autoridades têm procurado se comunicar com cidadãos através das mídias sociais, mas pouco se sabe sobre quais são as suas estratégias de comunicação e como ocorre a participação dos cidadãos em respostas às suas publicações.
A comunicação cidadão-autoridade é essencial na adaptação e preparação para eventos climáticos extremos iminentes. Sem a devida preparação, tais eventos podem causar impactos devastadores nas infra-estruturas urbanas e perda de vidas humanas. Construir uma presença em mídias sociais para ações de adaptação, preparação e resiliência climática é desafiador. Tal presença precisa se estabelecer no longo prazo, para além de eventos específicos. Ela também deve ser caracterizada pela publicação de conteúdos que se alinham ao interesse e necessidade dos cidadãos. Não é trivial atingir esses objetivos em grandes cidades, com grande população, que está dispersa em ampla região geográfica e sujeita a diferentes efeitos de eventos climáticos.
Como o Estudo Enquadra essa Temática?
O estudo recém-publicado no periódico científico npj Climate Action busca evidências práticas de como as autoridades climáticas têm enfrentado esses desafios no uso de mídias sociais. O estudo foca em duas questões de pesquisa:
- Quais padrões de publicação surgem quando as autoridades climáticas locais comunicam aos cidadãos através de publicações nas redes sociais?
- Como os cidadãos respondem às publicações das autoridades?
Arcabouços conceituais de Presença em Mídias Sociais (Social Media Presence) e Engajamento Humano (Human Engagement) são articulados para buscar respostas a essas questões. O arcabouço de “Presença em Mídias Sociais” trata de como as organizações criam uma presença em mídia social por meio de um padrão ou estilo de publicação de informações. A construção dessa presença envolve, por exemplo, definir se as publicações da autoridade devem convidar os cidadãos a postarem respostas e se a autoridade deve se engajar na conversa com os cidadãos que respondem suas publicações. O arcabouço de “Engajamento Humano”, por sua vez, trata de como e por que as pessoas dedicam recursos pessoais (como tempo, cognição e habilidades sociais) a uma atividade. Por exemplo, "por que" e "com que frequência" os cidadãos decidem participar postando uma resposta em uma publicação da autoridade climática.
Onde e como o Estudo foi Realizado?
As cidades brasileiras de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belém são abordadas no estudo. Elas são capitais de estados, estão em diferentes regiões do país, têm diferentes climas, possuem grande população e suas autoridades climáticas estão em atividade em mídias sociais. Juntas, elas superam meio milhão de seguidores. Em um estudo observacional, 10,2 mil publicações das autoridades e suas 5,5 mil respostas recebidas de 2,6 mil cidadãos ao longo de um ano (julho de 2021 a julho de 2022) são analisadas. Métodos incluem modelagem estatística, algoritmos de mineração de dados e processamento de linguagem natural.
Quais os Principais Resultados do Estudo?
Respostas para a pergunta Quais padrões de publicação surgem quando as autoridades governamentais locais comunicam aos cidadãos através de publicações nas redes sociais?
- As publicações se atêm à disseminação de informação sobre eventos climáticos na cidade. Elas não estimulam os cidadãos a se engajarem em uma conversa sobre o clima e, quando eles se engajam, é incomum que ocorra participação da autoridade.
- As autoridades tendem a empregar publicações padronizadas. Ou seja, elas utilizam uma estrutura textual recorrente, detectável por um algoritmo de agrupamento de texto. Cada estrutura textual recorrente revela um padrão de publicação. Os padrões típicos de publicação incluem previsões meteorológicas, atualizações de chuva e divulgação de tabelas de marés.
- As autoridades procuram articular ações em suas publicações. Uma rede de menções pode ser extraída das publicações das autoridades. Elas citam outras autoridades, como prefeitura, serviço municipal de trânsito e corpo de bombeiros.
Respostas para a pergunta Como os cidadãos respondem às publicações das autoridades?
- Os cidadãos respondem à autoridade buscando corrigir, complementar, informar e agradecer. Suas respostas corrigem informações sobre suas localizações, completam com mais informações, atualizam com informações atuais, divulgam ações de doação e expressam gratidão.
- As respostas dos cidadãos raramente mencionam “mudanças climáticas” ou “aquecimento global”. Há indícios de que os cidadãos não associam o evento local relatado pela autoridade a tais fenômenos globais.
- O engajamento dos cidadãos é de curto prazo. Eles respondem em minutos ou horas. Mas a maioria reage à autoridade uma vez e nunca mais interage (comportamento transiente) – os cidadãos que continuam a interagir são responsáveis pela maior parte das respostas à autoridade.
Os resultados aprofundam a compreensão do comportamento humano nos sistemas sociotécnicos no contexto do tempo e do clima e como a comunicação cidadão-autoridade se desenrola nas redes sociais durante as ações de preparação e resiliência.
Quais são as Implicações dos Resultados?
Os resultados permitem questionar se plataformas de mídias sociais são efetivas para o propósito a que elas têm sido empregadas pela autoridade climática e pelo cidadão. Quatro aspectos são críticos
Adequação das mídias sociais para comunicação climática. Nas cidades geograficamente grandes, os cidadãos podem sofrer uma sobrecarga de informação quando as autoridades informam sobre eventos climáticos que ocorrem em partes da cidade que são irrelevantes para eles. Isso é efeito da autoridade publicar informações de todos os pontos da cidade em uma única conta nas redes sociais e da plataforma não distribuir informações levando em consideração a posição geográfica do cidadão. A sobrecarga de informações pode levar os cidadãos a desenvolverem o comportamento de ignorar as informações publicadas pelas autoridades.
- Manter os cidadãos atualizados sobre o desenrolar de eventos climáticos. Existe o risco de uma comunicação ineficaz quando a autoridade tenta manter os cidadãos atualizados sobre a evolução dos eventos climáticos através de publicações periódicas (atualmente aproximando-se de dezenas de publicações por dia). Além disso, a atualização de conteúdos através das redes sociais pode tornar-se ineficaz para os cidadãos que não utilizam a ordenação temporal no seu feed na plataforma, pois podem visualizar as mensagens numa ordem diferente da publicada pela autoridade.
- Dinâmica de confiança entre cidadãos e autoridades climáticas. As correções e complementações publicadas pelos cidadãos podem ser os primeiros sinais de desconfiança que podem comprometer a preparação e a resiliência climáticas. Se os cidadãos têm considerado imprecisas as informações publicadas pela autoridade, eles podem não confiar em novas informações no futuro e, em razão disso, não se preparar para eventos climáticos aos quais deveriam dar atenção.
Evolução e utilidade das plataformas de mídia social. O ecossistema das plataformas de redes sociais está a evoluir; algumas plataformas estão mudando suas funcionalidades (como a plataforma X), e outras estão surgindo com novos paradigmas de interação (como a plataforma Mastodon). Assim, as autoridades climáticas devem refletir constantemente sobre o que significa uma presença social eficaz e como construí-la.
Sobre o Periódico em que o estudo foi publicado
npj Climate Action (https://www.nature.com/npjclimataction) é um periódico científico de acesso aberto (open access) que faz parte do Nature Portfolio Journal da Springer Nature, que é um dos principais grupos de publicação científica do mundo. O periódico publica pesquisas originais de alta qualidade que tratem dos efeitos das mudanças climáticas. Segundo o editor, o periódico “pretende provar que a investigação sobre a ação climática pode ser ao mesmo tempo cientificamente rigorosa e transformadora, apelando a públicos vastos que incluem investigadores e diversas partes interessadas”.
Quais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são tratados no Estudo?
- ODS 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis
- ODS 13 - Ação contra a mudança global do clima
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