O primeiro "laboratório de pesquisa" em que atuei

Lesandro Ponciano ORCID iD

25 de junho de 2020

É muito difícil saber exatamente quais são os fatos que ocorreram na nossa vida e que nos levaram a seguir por um caminho e não por outro. Muitas vezes são influências inconscientes. Podem ser detalhes, como palavras, filmes, livros, viagens… Também podem ser pessoas, como professores, amigos, pais e irmãos. Eu sempre tive grande dificuldade de saber quais foram exatamente as influências que me fizeram seguir determinado caminho e não outro. A dificuldade é por que os caminhos que eu seguia, principalmente na adolescência, eram quase sempre diferentes dos caminhos que as pessoas ao meu redor seguiram ou seguiam. Pessoas que teoricamente estariam afetadas pelas mesmas influências.

Atualmente, como professor em cursos de graduação, muitas vezes sou levado a refletir sobre esses caminhos a partir das perguntas que os meus alunos me fazem. Este semestre um aluno me fez uma pergunta que me causou esse tipo de reflexão. Ele me questionou qual foi o primeiro laboratório em que eu pesquisei e que me fez gostar de investigar e experimentar coisas. Essa é uma pergunta natural para dele. Noto que os alunos são muito curiosos sobre fatos da vida dos professores. Para mim, no entanto, a pergunta dele soou bem mais profunda do que talvez ele tenha intencionado. Eu nunca tinha pensado sobre isso. Qual foi o primeiro laboratório em que eu "pesquisei"? Ou, dito de outra forma: qual foi o primeiro local em que eu me senti no papel de investigador?

Pensei primeiro na minha graduação, na época da iniciação científica. Eu já entrei na graduação com certa inclinação para prática investigativa. Eu me envolvi com iniciação científica no segundo período da graduação. Então, não estava ali a resposta. Lembrei de alguns trabalhos em laboratórios de biologia no ensino médio e que eu achava interessante. Lembrei de uma caixa de rochas de uma professora de ciências na quinta série. Era uma caixa do tamanho de um notebook, com diversos tipos de rocha. Ela nos mostrava cada uma, falava o nome, explicava a origem. A gente pegava e olhava. Depois, ela pedia para que nós encontrássemos alguma rocha daquele tipo no pátio da escola. Era divertido, mas não era um laboratório.

Eu também me lembrei de diversas experiências que fazíamos no período escolar. Experimentos clássicos como o estudo de plantar feijão em diferentes ambientes e de fazer a cenoura comprada no supermercado voltar a produzir folhas, usando somente água. Essas foram atividades marcantes. Eu gostava muito. Mas elas não eram "trabalho em laboratório". Então, não eram a resposta para o aluno.

Quando eu tinha 10 anos, eu participei de algo que talvez fosse um “laboratório”. Na minha escola tinha uma sala chamada "oficina pedagógica". Alguns alunos atuavam nessa oficina no turno em que não estavam em aula. Eu estudava no turno da manhã e passava algumas horas do turno da tarde nessa oficina. Não era uma sala de aula comum, pois tinha um monte de materiais e ferramentas que não usávamos na sala de aula. Lembro que havia madeiras, argilas, flores dessecadas… Havia diversas opções de tintas e papéis. Havia um forno grande, onde os trabalhos com argila eram assados. Diversos equipamentos para cortar madeira, marcar e desenhar. Tinha uma ferramenta de pirografia. Ela era como um lápis, mas na ponta tinha um ferro que se aquecia. Ela era usada para escrever na madeira. Escrevíamos queimando a madeira, como um ferro de soldar. Recordo de ter escrito meu nome na madeira usando essa ferramenta.

Havia uma professora que nos acompanhava. Ela não era minha professora nas aulas regulares. Ela só olhava e ajudava a usar as ferramentas que poderiam nos machucar. A gente tinha liberdade para explorar os materiais e tentar produzir algo. Eram poucos alunos nessa oficina. Não lembro como eu fui levado a participar dela. Não sei qual era o critério de seleção. Sei que os meus colegas de sala não estavam lá. Talvez, eu estivesse lá por que eu era um pouco hiperativo e os professores queriam me distrair. Eu gostava de tudo na escola, teatro e recital de poesia eram os favoritos; eu participei de vários. Eu também participava do grêmio estudantil "Olavo Bilac". Fundamos dois jornais na escola chamados "O escolar" e "O colegial". Era muito divertido.

Nessa oficina, a liberdade que eu tinha para experimentar algo que eu gostasse era similar à liberdade que tive nos laboratórios de pesquisa em que, muitos anos depois, eu passei a atuar. A cada novo laboratório em que entrei, eu tinha novos materiais e novas ferramentas. O que antes eram materiais como madeira e argila, agora são dados, software, hardwares, modelos e protótipos … Porém, a essência é a mesma: investigar, experimentar e tentar observar ou produzir algo interessante. Essa oficina foi a referência mais antiga que eu encontrei. Talvez ela tenha sido o primeiro laboratório em que eu trabalhei. Havia muitas pessoas envolvidas nisso. A escola, a pessoa que teve a ideia de criar aquela oficina, a professora que me acompanhou no tempo que estive lá e a pessoa que me levou a estar lá. Talvez, eles nunca saibam do quão importante aquilo foi.

De forma inconsciente, talvez eu sempre tivesse esse referencial em mente. Todo ambiente que eu encontrava e que era conceitualmente parecido com ele, chamava a minha atenção mesmo sem eu saber por que. Anos depois, esse referencial estava lá na graduação, depois ele também estava no mestrado, por fim estava no doutorado… Agora, como professor, eu também o vejo em algumas situações. Pode ser que ele ainda tenha muito efeito no que ainda está por vir.

Você deve estar se perguntando se eu respondi tudo isso ao aluno. Sim, eu contei toda essa história. Ele ficou escutando enquanto eu forçava minha memória. Ele parecia interessado. Então, quando conclui, eu perguntei o mesmo a ele. Disse: e você? Qual foi o primeiro local em que você se sentiu um investigador?

.

Você pode encontrar informações sobre mim no meu site. Quando escrevo algo, ele aparece neste XML RSS feed, que pode ser cadastrado em leitores de XML RSS feed como a extensão para Chrome RSS Feed Reader ou Feedly.