Ansiedade e normalização climática em meio à dificuldade de respirar em Belo Horizonte

Lesandro Ponciano ORCID iD

29 de setembro de 2024

Na última sexta-feira, o dia em Belo Horizonte foi igual ao que observei nos últimos 5 meses: baixa umidade e muito calor. Os dados da Defesa Civil indicaram que, por volta das 15h, a temperatura se aproximou de 34 graus e a umidade relativa do ar ficou próxima de 25.

Eu estava com a garganta irritada desde quarta-feira. Na sexta-feira a irritação se espalhou para as vias respiratórias. Depois das 13h da sexta-feira, comecei a usar máscara para tentar proteger as vias respiratórias. Foi uma boa decisão, reduziu bastante a irritação. O ar estava irrespirável. Além do clima, a baixa qualidade do ar está sendo intensificada pelo problema das queimadas que afetam todo o país.

Este ano Belo Horizonte chegou a completar 155 dias de seca. A cidade ficou sem chuva entre os dias de 18 de abril de 2024 e 21 de setembro de 2024. Não se observava um período de estiagem tão longo há mais de meio século. O maior período de estiagem na cidade foi em 1961, com 198 dias sem chuva, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). No bairro em que moro, a chuva de 21 de setembro, que interrompeu o longo período de estiagem, consistiu em apenas 5 minutos de chuvisco. Foi o que vi da minha janela. A percepção é que a seca permanece.

A sociedade se contorce para lidar com a situação. Entre as pessoas que sabem que acompanho esse assunto de perto, a pergunta que mais tenho recebido é: "quando volta a chover de verdade?" É inevitável a ansiedade. A contagem de cada novo dia sem chuva, feita pela mídia municipal, é sinal, mas também causa, da ansiedade climática sentida pelas pessoas na cidade. Outro tipo de comentário que tenho ouvido frequentemente é aquele surge como uma comparação: "no passado, nessa altura do mês, já havia chovido muito né?".

Começo cada aula negociando com os estudantes se podemos deixar o ar-condicionado desligado. É um padrão que observo: quanto mais esquenta, mais as pessoas buscam por soluções que aumentam o consumo de energia e comprometem a qualidade do ar. Não é preciso desenvolver muito o raciocínio para ver que é um ciclo vicioso associado ao consumo e produção de energia. Outra coisa curiosa é que quando está mais quente, as pessoas preferem usar o transporte individual do que o coletivo. Também é claro que ter mais automóveis circulando significa que mais poluição e gases causadores do efeito estufa são emitidos. As tecnologias que geram conforto e amenizam os efeitos do evento climático, também geram uma normalização desses eventos.

Enquanto muitas cidades têm feito algum esforço para se preparar para o excesso de chuva, esse é certamente o caso de Belo Horizonte, a preparação para seca e frio severos não parece estar recebendo a mesma atenção. Pelo menos, esse parece ser o caso em cidades em que seca e frio não eram problemas periódicos. Não está claro que a complexidade das mudanças climáticas esteja sendo considerada em toda a extensão da diversidade de eventos climáticos extremos.

Desde que comecei a ler e a pesquisar sobre os fatores humanos em mudanças climáticas , o que mais me preocupa é o viés da normalização (normalization bias). O viés da normalização é uma característica humana que nos leva a normalizar (ou nos acostumar) com novas situações e, portanto, não reagir para combatê-las ou mudá-las. O viés da normalização talvez seja o oposto da tão falada ansiedade climática (climate anxiety). Pode-se dizer que a ansiedade climática é uma preocupação excessiva, enquanto a normalização é uma despreocupação excessiva.

Eu me arrisco a conjecturar que na sociedade belorizontina há mais normalização climática do que de ansiedade climática. Ou pelo menos, as ações concretas não refletem grande preocupação. Enquanto isso, o ar continua cada vez mais irrespirável.

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